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Praticamente inexistentes na paisagem universitária brasileira, ações voltadas para prevenir e combater o assédio e a violência sexual começam a ser implementadas dentro da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no interior de São Paulo.

Neste mês, o grupo de trabalho criado para elaborar uma política interna sobre o tema apresentou seu relatório ao Conselho Universitário, principal instância decisória da Unicamp, com uma proposta de como a instituição pode fazer frente a esse grave problema.

“O assédio e a violência sexual, infelizmente, são uma realidade na nossa sociedade, e a universidade, embora frequentemente queira ser um oásis, é parte da sociedade. Todos os problemas que afligem a sociedade acontecem aqui. E nós precisamos encarar essas questões de frente, não podemos escondê-las”, disse à Folha o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel.

A iniciativa, segundo Knobel, integra uma série de políticas para a promoção da cidadania que sua gestão —iniciada em abril do ano passado— tem buscado implantar na instituição. Inserem-se entre essas medidas a aprovação das cotas étnico-raciais, ações para a inclusão de pessoas com deficiência e a criação de uma cátedra de refugiados, voltada à produção de conhecimento sobre o tema.

A política proposta pelo grupo de trabalho é composta de três eixos: posicionamento claro da universidade quanto à não tolerância de práticas que envolvam assédio e violência sexual, definição de um protocolo para o acolhimento e o encaminhamento de queixas relacionadas a essas práticas e desenvolvimento de programas de conscientização, educação e treinamento para toda a comunidade universitária.

Tudo isso seria reunido numa Secretaria de Atenção à Violência Sexual, que teria mandato para receber e encaminhar relatos e denúncias de assédio, além de oferecer ajuda a quem tenha passado por isso e apoio a iniciativas de conscientização e educação.

Trata-se, em sua abrangência e compromisso, de iniciativa inédita no país.

Uma das preocupações dos proponentes foi envolver toda a comunidade universitária nesse processo, a fim de dar pluralidade e maior legitimidade à proposta. O grupo de trabalho foi integrado por pessoas de todas as áreas da Unicamp e de todos os níveis, de alunos a professores, passando por pessoas ligadas à reitoria e aos serviços já existentes de atendimento à mulher.

Apresentado o relatório, iniciou-se a fase de debates com as unidades e os coletivos da universidade, que deve durar até o fim de julho.

“A gente buscou evitar vir com uma política pronta, de cima para baixo, à qual todos devam se adequar. Estamos tentando promover o máximo de discussão dentro da comunidade, por meio da qual as pessoas possam exprimir sua experiência, suas visões sobre o assunto, suas dúvidas e, assim, construir um acordo em torno do tema”, explica Ana Maria Fonseca, coordenadora do grupo de trabalho.

Alguns elementos da nova política já entraram em vigor, como as campanhas de conscientização. Todos os ingressantes deste ano na Unicamp, por exemplo, receberam cartilhas explicando o que é a violência sexual e o que eles podem fazer caso passem por isso.

Outro, como o protocolo de boas práticas, deverá ser implantado no segundo semestre, após o término dos debates e a redação final do documento. 

Já a criação da Secretaria de Atenção à Violência Sexual, por envolver alocação de recursos, precisa ser aprovada pelo Conselho Universitário, em reunião que deve ocorrer no início de agosto.

Para elaborar a sua proposta, o grupo de trabalho procurou conhecer as iniciativas implementadas por universidades de outros países.

“Algo fundamental que observamos na experiência internacional é o cuidado com o acolhimento da vítima, feito num espaço especialmente dedicado a isso e com funcionários preparados para responder competentemente àquela queixa”, diz Fonseca.

Esse tipo de situação, por suas particularidades e implicações, requer um tipo de atenção própria. 

“Na ouvidoria, é comum que uma pessoa que sofreu violência sexual marque um horário, daí logo depois ela cancela, marca outro, cancela novamente, até que finalmente consegue ir. Quando chega, ela está fragilizada. Muitas vezes, ela não quer notificar, depois muda de ideia”, afirma a ouvidora da Unicamp, Maria Augusta Ramalho.

No cargo há pouco mais de um ano, Ramalho conta que ficou surpresa com a quantidade de casos. “Não é uma avalanche, mas é algo que sempre se faz presente”, diz. Segundo a ouvidora, desde que o assunto entrou na pauta de discussão da universidade, as pessoas têm vindo procurar o órgão na esperança de obterem algum retorno.

“Esse sentimento é importante”, diz a psiquiatra Tânia Freire de Mello, também integrante do grupo de trabalho, “pois quando há a sensação de que a questão não vai ser resolvida institucionalmente, ela pode terminar descambando para a incivilidade, para o linchamento nas redes sociais. Isso é algo que nos preocupa muito, porque enquanto alguns episódios são claros e evidentes, outros não são e acabam ficando no território do mal-entendido”.

Além de tentar combater o assédio e a violência sexual dentro da universidade, a política proposta pela Unicamp busca também exercer uma influência que ultrapassa o ambiente acadêmico. 

“Temos uma preocupação grande com a formação da nossa comunidade, com a educação dos alunos. A nossa ideia é que a Unicamp seja responsável pelos profissionais que ela está colocando no mercado. Assim, queremos que, após passar pela Unicamp, a pessoa, onde quer que vá trabalhar, já chegue com a cabeça alerta para essa questão”, diz Ana Maria Fonseca.


Matéria originalmente publicada no jornal “Folha de São Paulo” em 24/06/2018

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